A partir do dia 27 de março, quem passar pela Praça da Liberdade terá a oportunidade de vivenciar uma experiência visual e reflexiva sobre identidade, ancestralidade e pertencimento de mulheres indígenas, através da arte de Liça Pataxoop e Kawany Tamoyos, na exposição Cosmogonias. As artistas indígenas foram convidadas pelo Memorial Vale para ocupar os tapumes que cercam a fachada do museu, enquanto o edifício-sede está fechado para renovação.

Foto: HB Audiovisual
Dona Liça Pataxoop, mulher indígena, artista e professora da aldeia Muã Mimatxi, da etnia Pataxoop, na região de Itapecerica, ocupará os painéis de frente para a Praça da Liberdade com seus desenhos-narrativa, chamados tehêy, que guardam a história do povo pataxoop. Através do uso dos desenhos como narrativas, dona Liça pratica um método de ensino que alimenta o amor à mãe Terra e reforça a cultura e a trajetória de seu povo. Para a artista, seu trabalho é uma forma de tornar visível o conhecimento e a história dos Pataxoop por meio da imagem. “O tehêy traz essa leitura e essa escrita dos valores da vida, dos valores do sagrado, dos valores das histórias pataxoop, história de gente, história de animais, a história do sagrado, a história do Yãmixoop, a história de Topá, de onde o povo pataxoop veio, povo pataxoop-gente, povo pataxoop-mineral, povo de pataxoop-vegetal e o povo animal”, conta dona Liça.
A arte de Dona Liça que, poderá ser vista nos painéis, carrega não apenas memórias, mas também uma forma de ensino que transcende a palavra escrita, transmitindo o saber ancestral de maneira viva e intuitiva. “Ali está um povo, mesmo que na escrita das imagens, mas uma escrita verdadeira. Por isso que é muito importante estar nesse lugar, para o povo sentir uma escrita que você está vendo acontecer. Vendo o nosso ensino que é diferente do ensino das letras. Se fosse uma letra, eu só ia sentir se eu lesse aquela letra. Só de eu ver a imagem, eu já sinto o ensino que ela está levando, mostrando e apresentando o meu povo nestes lugares urbanos”, explica a artista.

Foto: HB Audiovisual
Já a artista visual, designer e comunicadora anticolonial, mineira de origem indígena, Kawany Tamoyos, conhecida como Kakaw, ocupará os tapumes com obras que apresentam o entrelaçamento de suas raízes ancestrais e o urbano, subvertendo estereótipos femininos, indígenas e fazendo uma homenagem à força das mulheres. Kakaw está presente em diversas exposições e festivais internacionais de arte urbana e é também coordenadora nacional da Rede Latinoamericana Todas BR. Suas obras questionam a representação das mulheres indígenas na sociedade contemporânea, rompendo estereótipos e expandindo o entendimento sobre a diversidade dos povos indígenas no Brasil.
Para Kakaw, sua arte é uma forma de mostrar as múltiplas existências indígenas femininas na modernidade. “Minha intenção com a minha produção artística é repensar como a gente representa os povos indígenas, especialmente as mulheres indígenas. Como a gente é colocada nas mídias, seja nas novelas, nas TVs, enfim, como essas representações seguem sendo extremamente estereotipadas e como ignoram a diversidade dos povos que a gente tem no Brasil. O meu desejo de criar esse diálogo entre tradição e contemporaneidade, de pensar o urbano com as raízes, é mostrar que existem diversas possibilidades do corpo indígena no mundo. Desde as pessoas que vivem em um contexto urbano, as que estão em aldeias, as pessoas de retomada, aquelas que tiveram uma vivência completa em aldeia desde a infância. Mostrar para as pessoas que existem diversas possibilidades de existência como povo indígena”, explica Kakaw.

Foto: HB Audiovisual
Memorial Vale Itinerante
A exposição Cosmogonias integra uma etapa da renovação do Memorial Vale, que, enquanto realiza a revitalização de sua sede, continua com sua programação através do projeto Memorial Vale Itinerante. “Estamos levando a essência do Memorial para outros espaços, garantindo que o público continue a ter acesso às atividades culturais gratuitas e relevantes, enquanto são realizadas as intervenções de requalificação, como a criação de novas estruturas de acessibilidade e áreas para atender a multipúblicos, com o objetivo de valorizar ainda mais o prédio que abrigou a antiga Secretaria de Estado da Fazenda. Com exposições como esta, estamos cumprindo nosso papel de difundir conhecimento e promover experiências transformadoras”, afirma Wagner Tameirão, gestor do Memorial Vale.
Além de Comosgonias, o Memorial Vale Itinerante conta com outras iniciativas. Entre elas, a mostra “Oriará – Arte e Educação em Movimento” e o “Quintal do Memorial” que leva à Praça da Liberdade uma série de atividades culturais e educativas.