Até este sábado, 28 de janeiro, A Cinemateca Brasileira abriga a mostra Nordestern: bangue-bangue à brasileira. Movimento social ocorrido no Nordeste entre o final do século XIX e o início do século XX, o cangaço tem uma presença extensa na filmografia brasileira. Ele começa a aparecer no cinema nordestino, sobretudo pernambucano e baiano, a partir de 1925, quando o fenômeno estava em pleno andamento, em filmes como Filho sem mãe (1925), Sangue de irmão (1927) e Lampião, a fera do nordeste (1930). Desses títulos, infelizmente, nenhum sobreviveu. 

Título mais conhecido da seleção, O cangaceiro (1953), de Lima Barreto, completa 70 anos em 2023, que a representação do cangaço, do Nordeste e do bangue-bangue se consolida como um estilo cinematográfico tipicamente brasileiro, batizado pelo crítico Salvyano Cavalcanti de Paiva de nordestern. Isso porque esses filmes tinham uma clara inspiração nos westerns americanos e seus filmes de aventuras no Velho Oeste. O nordestern, tal como sua contemporânea, a chanchada, torna-se, portanto, um gênero produzido em série, com uma linha própria de valores e códigos. 

Gênero controverso, tal como o próprio cangaço, por retratar o movimento por vezes como excessivamente violento, por vezes sob uma ótica romantizada e heroica, o nordestern foi produzido inclusive no Sul do país, sempre evocando os signos e o imaginário em torno do Nordeste, sua história e cultura.

Da trama de vingança e as cores vibrantes de A morte comanda o cangaço (1960), passando pelo documentário sociológico Memória do cangaço (1964), pelo épico de Glauber Rocha O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1967), pelo importante documentário A musa do cangaço (1982), que aborda a participação das mulheres no cangaço, até produções contemporâneas que evocam o fenômeno, como Bacurau (2019) e Sertânia (2019), dentre outros, a mostra convida o público a apreciar o mosaico de produções que compõem esse interessante movimento do cinema brasileiro. 

A programação inclui debates com convidados. Entre eles, uma mesa de conversa sobre mulheres no cangaço, dia 28, sábado, com Walnice Nogueira Galvão e Maria do Rosário Caetano, organizadora do livro Cangaço: o nordestern no cinema Brasileiro, que estará à venda no foyer Grande Otelo depois do debate.

PROGRAMAÇÃO

Quinta-feira, 26 de janeiro

Sexta-feira, 27 de janeiro

Sábado, 28 de janeiro

18:00 – MEMÓRIA DO CANGAÇO

Brasil, 1964, 26 min, 16mm, p&b, livre

Direção: Paulo Gil Soares

Elenco: Paulo Gil Soares, Estácio de Lima, Gregório, José Rufino, Leonício Pereira, Benevides, Antônio Isidoro, Ângelo Roque, Benício Alves dos Santos, Sérgia Ribeiro da Silva

Sinopse: Entrevistas com alguns sobreviventes da luta no sertão. Depoimentos do Cel. Rufino, matador confesso de 20 cangaceiros, e do cabo Leonício Pereira, que cortava as cabeças dos cangaceiros “para que fossem tiradas fotografias”. Sob uma ótica médica, o diretor do Museu de Antropologia da Bahia tenta explicar a predisposição criminal dos cangaceiros a partir de características físicas de seus integrantes. E os próprios cangaceiros explicam seus motivos para terem se juntado ao bando.

Comentários: Realizado no estilo documentário sociológico, em alta no Brasil no início da década de 60, o filme é uma das colaborações do diretor Paulo Gil Soares com o produtor Thomas Farkas sobre a cultura nordestina.

 

OS ÚLTIMOS CANGACEIROS

Brasil, 2012, 79 min, digital, 14 anos

Direção: Wolney Oliveira

Elenco: Durvinha, Moreno, Dulce

Sinopse: Durante mais de meio século, Durvinha e Moreno esconderam sua verdadeira identidade até dos próprios filhos, que cresceram acreditando que os pais se chamavam Jovina Maria da Conceição e José Antonio Souto, nomes falsos sob os quais haviam reconstruído suas vidas. Durvinha e Moreno fizeram parte do bando de Lampião, o mais controverso líder do cangaço. A verdade só é revelada quando Moreno, então com 95 anos, resolveu dividir com os filhos o peso das lembranças e reencontrar parentes vivos, entre eles seu primeiro filho.

Comentários: Considerado o último cangaceiro homem e um dos últimos integrantes do bando de Virgulino Ferreira (O Lampião), Moreno morreu aos 100 anos em 2010. Sua esposa, Durvinha, faleceu em 2008, aos 93 anos. O documentário conta ainda com personalidades que fizeram parte da história e ainda vivem, como a cangaceira Dulce, entrevistada no filme, com 92 anos.

 

20:00 – A MORTE COMANDA O CANGAÇO

Brasil, 1960, 108 min, cor, 14 anos

Direção: Carlos Coimbra

Elenco: Alberto Ruschel, Aurora Duarte, Milton Ribeiro, Maria Augusta Costa Leite, Gilberto Marques, Ruth de Souza

Sinopse: No interior do Ceará, em 1929, o camponês Raimundo Vieira tem sua fazenda atacada pelo bando do cangaceiro Silvério, a mando do Coronel Nesinho, padrinho do criminoso. Determinado a conseguir sua vingança, Vieira reúne alguns homens de confiança e sai à caça do bando para extinguir o cangaço com as próprias mãos.

Comentários: O filme introduziu no cinema de cangaço o uso de cores, com a fotografia marcante de Tony Rabatoni representando a geografia imponente do sertão nordestino.

18:00 – MENINO DE ENGENHO

Brasil, 1965, 81 min, p&b, 35mm, livre

Direção: Walter Lima Jr.

Elenco: Geraldo Del Rey, Sávio Rolim, Rodolfo Arena, Anecy Rocha, Margarida Cardoso, Maria Lúcia Dahl, Antonio Pitanga, Maria de Fátima

Sinopse: 1920, na Paraíba. Ao ficar órfão, um menino passa a ser criado por seu avô e tios, ricos proprietários rurais, em um engenho de cana-de açúcar. Lá ele testemunha a chegada de um novo tempo, com o advento das modernas usinas de açúcar e as transformações econômicas e sociais em seu entorno.

Comentários: Adaptação do romance homônimo de José Lins do Rego, incluindo elementos de outras obras do escritor associadas ao chamado ciclo da cana-de-açúcar.

 

20:00 – SERTÂNIA

Brasil, 2019, p&b, 97 min, dcp

Direção: Geraldo Sarno

Sinopse: Quando o bando de Jesuíno invade a cidade de Sertânia, Antão é ferido, preso e morto. O filme projeta a mente febril e delirante de Antão, que rememora os acontecimentos.

Comentários: Exibido no Festival de Havana, na Mostra de Cinema de Tiradentes e no Festival Ecrã, o filme foi bem recepcionado pela crítica especializada, sendo um dos filmes brasileiros mais comentados de 2020. É o último filme do diretor Geraldo Sarno, que faleceu em 2022, vítima de COVID-19.

16:00 – A MULHER NO CANGAÇO

Brasil, 1976, 36 min, cor/p&b, livre

Direção: Hermano Penna

Elenco: Dadá, Maria Bonita, Cila, Adilia

Sinopse: Documentário sobre algumas das mais de 50 mulheres que estiveram no cangaço. Destaque para Dadá, Cila e Adilia. Dadá relembra o dia em que foi raptada por Corisco. Cila conta que teve que doar o filho, cujo parto foi feito por Maria Bonita, pois não dava para criar um bebê devido a peregrinação do bando pelas caatingas e sertões. Adilia conta que encontrou na companhia do marido, Canário, a liberdade que o pai lhe negava.

Comentários: Produzido para o Globo Repórter em 1976, o filme aborda, de maneira pioneira, a presença das mulheres no cangaço.  Com depoimentos e imagens de arquivo reveladoras, a obra apresenta uma análise histórico-política das fases do movimento do cangaço, incluindo a entrada das mulheres nos bandos. “Menos vaidosas que os homens, as mulheres não eram responsáveis pela cozinha, não sofriam violências, produziam as festas, as danças, os enfeites, o lúdico e às vezes lutavam ombro a ombro com os homens, superando situações-limite (gravidez, ciclos menstruais), nos duros afazeres da campana que envolvia a travessia sertões, a sede e a fome” – Documento Globo Repórter.

 

DEBATE “Mulheres no Cangaço”

Maria do Rosário Caetano – Jornalista, pesquisadora, atualmente colabora com o Caderno 2, de O Estado de São Paulo e com a Revista de Cinema. É organizadora do livro “Cangaço: o Nordestern no cinema brasileiro”.

Walnice Nogueira Galvão – Crítica literária, professora emérita de teoria literária e literatura comparada da Universidade de São Paulo. Tem 40 livros publicados, sendo co-autora do livro “Cangaço: o Nordestern no cinema brasileiro”.

Paulo Caldas – Diretor, roteirista e produtor. É co-diretor de O baile perfumado, um dos filmes mais elogiados da primeira safra da retomada do cinema brasileira no final dos anos 1990.

 

19:00 – A MUSA DO CANGAÇO 

Brasil, 1982, 15 min, p&b, livre

Direção: José Umberto Dias

Elenco: Dadá

Sinopse: Visão interna do cangaço feita por Dadá, companheira de Corisco, subtenente do grupo de Lampião. Ela presta um depoimento sobre sua vivência entre os cabras de Lampião, ”o rei do cangaço”, destacando sua forma de organização como grupo, o modo de comportamento, a luta pela sobrevivência, os códigos de honra, as táticas de guerrilha aplicadas e os amores dos cangaceiros.

Comentários: O documentário mostra o papel da mulher e sua participação efetiva nesse fenômeno de luta armada no Nordeste brasileiro. Revela lembranças afetivas de Dadá, os desafios enfrentados no cotidiano no bando, as estratégias de combate contra as forças armadas, as hierarquias e a ética interna do grupo. Prêmio de Melhor Produção Baiana e prêmio Pólo Cinematográfico na Jornada de Curta Metragem de Salvador.

 

O CANGACEIRO

Brasil, 1953, 94 min, digital, p&b, 14 anos

Direção: Lima Barreto

Elenco: Alberto Ruschel, Marisa Prado, Milton Ribeiro, Vanja Orico, Adoniran Barbosa, Ricardo Campos, Neusa Veras, Zé do Norte

Sinopse: O bando de cangaceiros do capitão Gaudino semeia o terror pela caatinga nordestina.  Num de seus ataques ele rapta a professora Olívia, mas ele e o seu braço direito, o valente Teodoro, ficam atraídos pela bonita cativa e a discórdia se instaura no bando.

Comentários: Premiado como melhor filme de aventura e melhor trilha sonora no Festival de Cannes de 1953, O cangaceiro foi um sucesso de crítica internacional e de público no Brasil, com cerca de 800 mil ingressos vendidos. Embora não tenha sido o suficiente para salvar da falência seu estúdio produtor, a ambiciosa Vera Cruz, que fecharia as portas um ano depois, o filme consagrou o gênero do cangaço no cinema brasileiro.